terça-feira, 23 de junho de 2015

João São

Ter o Porto a correr nas veias, é ter a mão na cintura. De forma firme, mesmo que o sangue esteja a borbulhar. Mesmo que os olhos se encham de água, que o coração não páre quieto um segundo. É levantar a cabeça e cair outra vez. É cair terceira, cair quarta e não ter medo da quinta. E levantar de todas essas vezes e ainda assim morder o lábio com a audácia de um miúdo que sabe o que quer.
É não temer o poder de um beijo, de uma mão na perna, de um suspiro no ouvido e de uma paixão que arrepia. Da tentação ali à porta e ainda assim não fugir de nada.
Ser do Porto é um carimbo ou um ADN. É impossível não sermos um conjunto de Rio Douro a abraçar a Ponte D.Luiz, as Fontainhas a namoriscar a Ribeira, o Piolho a beliscar a Fonte dos Leões; as praias, o Surf que adoramos ter só porque o mar ali é tramado e tem a mania que assusta com as ondas; somos o Estádio do Dragão, a Casa da Música e o cheirinho das Caves do Vinho do Porto; a vida académica, a praxe e as tunas; a Rua de Santa Catarina e a das Galerias e as centenas de bares que abrem e fecham à medida que o Porto vai ganhando ou perdendo popularidade; somos os encalorados que enchem as ruas todo o ano, que falam com toda a gente e não conhecem metade (mas se estão ali, são bem vindos); são os hostels e o D. Henrique; a Avenida dos Aliados e os Clérigos; a Sé, a Gastronomia; somos Serralves e o Parque da Cidade; somos a magia do S.João e a loucura da Queima das Fitas.
Ser portuense é ir até ao fim. É estranhar, é entranhar. É rir de tudo e a qualquer hora. É saltar a tampa por "dá cá aquela palha", é mandar os problemas para um sítio que todos sabemos. É saber que pode correr mal e ir na mesma. É perder a noção do medo e o "parece mal". É comprar uma guerra em prol de uma convicção. É receber. Receber e receber. Só porque sim.
É misturar o cheiro da sardinha como quem se bronzeia na praia. É cantar desafinadamente no meio da rua e oferecer o resto da cerveja a quem está a passar.
É não perder um bailarico. Não deixar de aumentar o volume do rádio. É aturar quem nos acha cinzentos e sempre com chuva, enquanto estabelecemos um mapa mental em como os mandar à merda.
É acabar um arraial na praia, com a típica fogueirinha. É o não gostar de multidões e sentir-se estranhamente em casa.
É sermos duros na queda, é virar o mundo do avesso se acharmos que vale a pena. É querer ter a mania que somos maus, que assustamos.
Somos bairristas, não deixamos passar o que magoa. Será que serve igual?
É bater o pézinho com músicas brejeiras e trocar as letras todas.

Em cada metro de Ponte há uma vontade de ser o que se é e pronto. Em cada pedra da calçada, há um pregão do Bolhão.
Em cada São João há um pouco de nós. Um João são, que no ir e voltar, nunca vira costas. Estando longe ou perto.

É gostar assim...gostar a sério. De dentro para fora.


quarta-feira, 10 de junho de 2015

Os Sem-Filhos

Todos nós, ao longo da vida, vamos ocupando lugares ou papéis que a sociedade nos vai atribuindo, consoante o tipo de vida que levamos ou as escolhas que fazemos. Uma espécie de rótulo, vá. Todos já fomos "tios" de alguém sem o sermos. O amigo/a do amigo ou o ex-namorado/a de alguém. Os vizinhos do fulano tal, aquele que mora na vivenda lá do fundo.
Com a passagem dos anos, passamos desses pequenos rótulos a fazer parte integrante de grandes grupos. A mim, aos 33 anos, o que me é mais relembrado é o facto de eu ainda não ter filhos. A vantagem ou desvantagem disso mesmo.
Vocês sabem do que falo. Todos os que já são pais sabem o grande Antes e Depois. Os que não, sabem o Ainda e registam o que se espera depois desse marco importante.
Os casais Sem-Filhos ganham tanto destaque como os casais Com-Filhos. Entre eles há diferenças diárias óbvias, prioridades e preocupações que saltam à vista.

Eu anseio sempre pelo fim de semana, mas tenho amigos que o temem. Eu quero sempre as férias mas já ouvi desejarem férias das próprias férias.
Se me apetece ir jantar, começo logo a pensar num preço mais acessível ou com lugares para estacionar, de preferência junto a uma vista agradável. Com filhos, só os restaurantes que aceitem aquecer a sopa que vai no Tupperware ou que tenham cadeirinhas.
Todos têm cartões da Chicco, Toys R Us, Imaginarium... (confere? Vejam lá a carteirinha).
Eu que não tenho filhos, consigo não planear o jantar. Comer uma tosta, beber um sumo, preparar uma tigela de cereais a um Domingo à noite. Eu vejo os casais com filhos a tentar o mesmo, mas só dá para comerem metade, a outra vai parar ao chão, depois de terem construído três puzzles e uma torre de legos.
Eu consigo sentar-me no sofá a fazer zapping, mas tenho amigas que precisam de sentar na sanita, para terem silêncio. Ou não. Quase nunca.
E a história do despertador? Eu PRECISO de um, não sei viver sem isso. Mas sei que alguns vizinhos gostariam de poder usar um.
Eu ainda saio de casa com uma mala pequena, mas tenho amigas que levam a mala, uma mochila e um enxoval de alguma coisa, não vá o diabo tecê-las.
E quando me perguntam "Tens tolhitas?" "Eu não!" "COMO não andas com toalhitas?!".

Se eu ainda quero ter filhos? Claro que sim. Tenho só de comer chocolate ás escondidas, habituar-me a ver o Noddy sempre e dizer "Ai caneco" e "Que chatice" no lugar de "F***-se, outra vez?".

Simples.






domingo, 7 de junho de 2015

FMRL

Foi assim que chegaste. De repente mas em surdina. Sem saberes dançar mas a escolheres a música a cada movimento dos meus olhos.
Não te posso pedir que gostes de mim,para sempre. Peço só que gostes todos os dias, um de cada vez.
Não te posso pedir que nunca me mintas, me ocultes ou me fujas. Só peço que saibas viver com todos os teus gestos.
Não te peço flores todos os dias. Peço-te só que nunca deixes de me dar cor.
Não te peço nenhuma jura ou palavra escrita. Peço-te só que te lembres que há coisas que se tatuam cá dentro.
Mas que não se vive disso.
Não te peço que me chegues inteiro. Peço-te só que venhas tu, em ti.
Rigorosamente assim. Tu.
Não te peço que sejas meu. Ninguém é de ninguém. Peço-te só que te deixes ficar, em bocadinhos, em mim.
Não te posso pedir que fiques sempre. Quero só que me mostres todos os teus lados.
Lados negros e lados não-negros. Quero saber o que te faz rir e o que te leva a chorar.
Não te posso pedir que nunca hesites, nunca duvides. Peço-te só que me continues a dar certezas.

E sabes que mais?

Fica. Escolho que fiques. Aqui, aí ou simplesmente por perto. Escolho que não te ausentes. Que continues a cantar desenfreadamente em viagens de carro. Escolho que continues a acreditar no que sou. De onde vim e porque fiquei aqui.
Escolho não desistir, não rotular os dias, não achar que comando tudo.
Escolho isto. O dia de hoje. O de ontem também e quem sabe, amanhã.
Porque estás em todos os dias e porque todos os dias são uma primeira vez.

Obrigada, infinitamente obrigada.