sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A ROSA mais CLARA do céu.

Sempre tive e ainda tenho um medo terrível da morte. Não me venham com as teorias que o "pior é estar cá em baixo", que "não têm medo de morrer, quando tiver de ser será" porque quando há algum susto ou possibilidade de irmos desta para melhor, todos se borram de medo. Para mim também já não funciona a parte do "desde que não sofra ou seja rápido"...a sério que ainda há gente que acredita que em alguns casos não há nem um minuto de agonia ou despedida interior? Que a morte aparece simplesmente fofinha e com pezinhos de lã? A sério que ainda há pessoas que acreditam que se deixa este plano serenamente, aceitando simplesmente que "chegou a hora" e que temos de abandonar todos cá em baixo? É uma luta sem tréguas,sempre agridoce.
A semana passada, perdi uma prima bastante jovem e com dois filhos. A Andreia estava longe, no Brasil, onde nasceu e cresceu, e foi apenas durante um período que esteve em Portugal que a conheci. Fora esse tempo, nunca convivi com ela mas a imagem está ainda bem presente em mim. Foi de cancro e com um sofrimento atroz. Deixa uma irmã desolada, um marido obrigatoriamente conformado, uns filhos que só daqui a uns anos entenderão tudo e um pai cuja dor nem quero imaginar. Perder um filho deve ser algo visceral. Nem sequer tem nome, já repararam? Quem perde mãe, fica órfão/ quem perde esposa, fica viúvo...e quem perde filho, chama-se como? Não se chama. Não existe palavra. Não existe sentido.

Ontem soube de mais uma perda. Não era da minha família, mas era do meu coração :) chamava-se Rosa Clara e foi das poucas pessoas que eu senti, até hoje, que realmente gostou de mim. E isso marcou-me para toda a vida. Os nossos caminhos cruzaram-se por uma relação longa que tive com o filho, que passados os desaguisados normais de miúdos que namoraram um dia, ainda hoje faz parte do meu leque de amizades, mesmo que o contacto seja pouco. Toda a família na altura fez parte de mim e eu fiz parte deles. Como adultos sensatos que todos somos, tudo terminou em bem e há um carinho mútuo, ainda que bem guardado numa gaveta própria da minha memória.
Mas com a "Dona Rosa" como eu a chamava, havia muito mais que isso. Havia um respeito, uma admiração pelo sorriso de cada uma.
Devo-lhe muito de tudo o que consegui para terminar o meu curso (para além dos meus pais, claro). Era Modista/Costureira e fez de tudo o que possam imaginar, de tecido, para o meu estágio final, onde dei tudo de mim. E ela, a meu pedido, queimou muito tempo e muitas pestanas a coser e a cortar para uns miúdos que nunca foram meus nem dela. E com essa dedicação, tinha sempre os meus Projectos de Sala impecáveis, elogiados por todos. E quando eu agradecia e lhe contava o sucesso que as peças dela tinham, ficava tão vaidosa e tão orgulhosa...sacudia o cabelo para trás do ombro e comentava "Ah sim...?".
Recordo-me de como me recebia bem, do pânico que tinha a andar de carro com o filho e comigo, do tratamento ás pernas que tantas vezes acompanhei, de ter aprendido o que era ser "rapioqueira" (algo que contava ter sido na juventude, com os cabelos loiros registados nas fotografias que tinha)e da gargalhada dela.
Nunca mais a vi, já lá vão 12 anos, embora soubesse que ela sempre esperou uma visita minha. Não quis porque os nossos caminhos tinham mudado, para poupar algum constrangimento, e acima de tudo, para evitar alguma emoção forte que pudesse ter.
Ironicamente, foi o coração que a traiu...o que ela tinha de maior e mais genuíno. Aquele onde sei que eu também estava.
Ganhou o céu, perdemos nós e toda a família dela, cuja dor deve ser incontornável.
Onde quer que ela esteja, está certamente vaidosa por estas palavras. É, nesta altura, a rosa mais clara do céu.

Por isto e muito mais, não me digam que a morte não mete medo a ninguém. Que é só uma viagem, que tem de ser e temos de aceitar. Não se ponham com merdas, como se algo bom se tirasse daí e como se fosse um pesadelo viver para sempre. Há em todos nós, uma milésima de esperança que sejamos um dos últimos habitantes deste jogo. Que demore e demore, e demore. Ninguém é totalmente humano para aceitar calmamente enforcar o próprio coração.
Quem nunca teve pena de perder uma Andreia ou uma Rosa na vida?
Quem já nasceu morto, certamente.


12 comentários:

  1. Sabes Vânia o teu texto deixou-me lavada em lagrimas, pois perdi o meu pai muito jovem, a minha irmã com 38 anos e segunda feira o meu cunhado (marido dela), perdi meu marido com 41 aninhos, minha sobrinha com 34, meu netinho com 6 mesinhos, a semana passada enforcou-se um grande amigo de 38 anos, e eu continuo a não conseguir lidar com a morte, sofro demais quando perco alguém querido, mas quando se perde um filhoou neto, é contra a natureza, não aceito, tenho muita dificuldade e nunca consigo recuperar da tristeza que se apodera de mim.
    Desculpa a extensão.
    querida tem um bom fim de semana dentro do possível.

    beijiho e uma flor

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  2. Linda homenagem á minha mãe, Vânia!
    De facto foi um correr de imagens dela á medida que li o que escreveste... É sem dúvida a Rosa mais clara e de coração maior que está algures e nos seguirá bem de perto onde quer que esteja pois a família foi sempre tudo para ela... Viveu para a família desde que a conheço, sempre preocupada com tudo e todos... Vai custar muito não a ouvir perguntar sempre como 1ª coisa das nossas conversas " a minha menina?" querendo ter novidades da Maria... E eu havia sempre de responder "tá fina"...
    Doi muito... Mas sei que estará bem de certo... Quero agarrar-me a isso...
    Obrigado...

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    1. Está certamente, a fazer o que sempre fazia, a espalhar o sorriso dela!
      beijinhos

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  3. Obrigado Vánia por partilhares as boas recordações que tens da minha mãe.
    Chorei muito ao ler este texto. É o amor que ela distribuiu gratuitamente durante toda a vida, que nos une a todos.
    Beijinho do Zé

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  4. Muita força neste momento. Essas perdas arrancam-nos sempre um bocadinho do nosso coração também. :(
    beijinho grande

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  5. Vânia, curiosamente, o nosso caminho foi palmilhado antes mesmo de eu saber que virias a ser"da familia" :) sim, começou na tua amizade com a Tânia. se não me falha a memória, por altura do Augusto Gil e tu ainda moravas em Anselmo Brancamp . Ou pelo menos lá perto.. já lá vão 14 anos e eu era uma miúda .A Tânia como minha vizinha, quase irmã, foi quase como natural conhecer-te :)
    pouco tempo depois, eis que chego a casa da minha tia e deparo-me contigo.. wooowww.. o mundo deve ser mesmo pequeno. lembro que sorri :) Gostava de ti! Então ter-te como"prima" era uma ideia que me agradava.

    Bom, a minha Tia. O que dizer (...) podem passar imensos dias, meses, que eu sei que ainda me parece tudo muito irreal. Tudo muito estranho. todos os dias a minha mãe falava com ela por telefone. E sempre que eu presenciei os telefonemas, gritava : Beijo Tia!
    Muitas outras vezes ia a casa dela , acompanhando a minha mãe, e com todas as dificuldade, ela sorria. Sorria com o riso e com os olhos. Que saudades eu tenho daquele Azul lindo. O meu pai tb tem os olhos azuis, tais como a irmã, mas os dela.. da minha Tia, eram imensos, intensos, únicos. Aliás, são. porque a recordo como uma fotografia. Paro muitas vezes a pensar nela. Ainda custa. a minha mãe tem uma saudade tremenda. Não há um único dia que não chore. que não sussure o nome da minha tia. Jamais deveríamos perder quem amamos. Mas a minha tia é única. um coração gigante. Enorme. Uma frase que a minha me disse : " Nunca conheci ninguém que amasse tanto os filhos como aquela mulher ama os dela. Pode aparecer alguém igual, mas melhor Não" (...) Ela faz muita falta. Muita. Era genuína. Era um amor que transbordava por todos os lados.

    (...)
    Um beijo.

    Rosângela

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  6. O mundo é muito pequeno e é de facto, engraçado, como os nossos caminhos se cruzaram :)
    da tua tia, guardo muito mais que o azul do olhar ou o brilho do sorriso dela :)
    beijinhos e bem vinda à Sala!

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  7. Obrigada pelas tuas palavras que tão bem descrevem a minha avó.
    Era realmente uma pessoa especial. E será sempre para mim, a cada que passa torna se mais difícil :(

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